Neste 20 de novembro, o Brasil celebra pela primeira vez o “Dia Nacional de Zumbi dos Palmares” e da “Consciência Negra” como feriado nacional. A data, sancionada em dezembro de 2023 pela Lei nº 14.759, marca uma importante conquista, tornando-se um feriado em todo o país, após ser comemorada apenas em alguns estados. Este dia remonta à luta e resistência do Quilombo dos Palmares; que, liderado por Zumbi, foi destruído em 1694, mas deixou um legado de resistência contra a escravidão e opressão. A Fundação Palmares também lançou um aplicativo para visitas virtuais à Serra da Barriga, em Alagoas, onde o quilombo esteve localizado, permitindo que mais pessoas conheçam a história e os artefatos daquele período.
Para Juçara de Quadros, ativista do Movimento Negro Unificado (MNU) e conselheira do Conselho da Comunidade Negra de Caxias do Sul (Comune), a conquista do feriado é um passo importante, mas a reflexão sobre a consciência negra e o combate ao racismo não pode se limitar a uma data comemorativa.
“A luta contra o racismo é diária e deve ser refletida constantemente. A discriminação racial não desapareceu com o passar dos anos e, apesar das leis de reparação, como a Lei Áurea e as cotas, o racismo ainda é uma realidade cotidiana para a população negra”, afirmou Juçara.
Ela destaca que, mesmo com o avanço da legislação, como a criação de cotas raciais e o aumento das penas para injúrias raciais, com a Lei nº 14.532/2023, o racismo continua a se manifestar em diversas áreas da vida social. “A sociedade brasileira ainda não enxerga a desvantagem histórica que os negros enfrentam. O racismo institucional persiste, com a maior parte da população negra vivendo em situação de desigualdade, especialmente nas áreas de educação, saúde e mercado de trabalho”, explicou.
Em paralelo, uma pesquisa recente revelou que sete em cada dez pessoas negras no Brasil já sofreram algum tipo de constrangimento racial, afetando, em grande parte, a saúde mental dessas pessoas. O estudo também apontou a necessidade urgente de políticas públicas para apoiar as vítimas de racismo, com um foco especial na saúde mental e no combate a essas práticas discriminatórias. Juçara também fez referência a manifestações culturais como a música “Elevador”, de Jorge Aragão, que, embora não aborde explicitamente o racismo, pode ser interpretada como uma metáfora das dificuldades enfrentadas pela população negra, simbolizando os altos e baixos da vida, as lutas e os desafios diários, em um país marcado pela desigualdade social e racial.
“Embora a música não tenha sido escrita com a intenção de criticar o racismo, ela traz à tona um sentimento de resiliência e superação, algo presente no cotidiano de muitos negros que, diante das adversidades, continuam a lutar por um lugar de igualdade na sociedade brasileira”, acrescentou Juçara.
O Dia da Consciência Negra, além de homenagear a memória de Zumbi dos Palmares e a resistência negra ao longo da história, serve como um lembrete de que a luta pela igualdade racial e pelo fim do racismo no Brasil é uma batalha que ainda está longe de ser vencida. Juçara reforçou a importância da educação como uma ferramenta de transformação social, lembrando que, apesar da existência da Lei 10.639/2003, que obriga o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas, ainda há uma grande resistência na implementação efetiva dessa legislação.
“Enquanto isso, continuamos a lutar por direitos iguais, por uma educação de qualidade para todos, independentemente da cor ou origem social. Não podemos mais aceitar que a educação e o acesso ao mercado de trabalho continuem sendo privilégios de poucos. A política de cotas, embora necessária, é apenas um paliativo para uma situação que deveria ser resolvida com políticas públicas que promovam a verdadeira igualdade”, disse Juçara.
Em Caxias do Sul, a ativista mencionou o trabalho constante de muitos militantes e líderes negros que, ao longo dos anos, têm se dedicado à promoção da igualdade racial e ao enfrentamento do racismo. Ela destacou o trabalho de artistas e educadores, como a professora Tânia, que realiza exposições sobre questões raciais, além de lembrar das perdas históricas e das lutas diárias de comunidades como as de matriz africana, que enfrentam preconceito e violência religiosa.
“Temos uma grande quantidade de templos de religiões de matriz africana, em Caxias do Sul, mas essas comunidades ainda sofrem com ataques, depredações e discriminação. É um reflexo de um descompasso na sociedade, onde práticas religiosas de origem africana são alvo de preconceito, enquanto outras manifestações religiosas, como as evangélicas, são muitas vezes tratadas com mais respeito”, comentou Juçara.
O Dia da Consciência Negra de 2024 é, portanto, uma oportunidade para relembrar não apenas a resistência histórica, como a de Zumbi dos Palmares, mas também os desafios que ainda persistem para a população negra no Brasil. Para Juçara, a luta continua, e a reflexão sobre a consciência negra deve ser feita todos os dias, até que o racismo, a desigualdade e a discriminação deixem de ser uma realidade para os negros no Brasil.