Embora o direito à desconexão ainda não seja regulamentado por uma lei específica no Brasil, ele vem sendo cada vez mais debatido e é reconhecido como um direito fundamental dos trabalhadores. O conceito de “direito à desconexão” garante que o empregado possa se afastar das atividades profissionais fora do horário de expediente, sem ser cobrado ou obrigado a estar disponível 24 horas por dia, seja por mensagens, e-mails ou outras formas de comunicação.
O Projeto de Lei PL 4579/2023 busca alterar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para institucionalizar esse direito no Brasil, mas, até o momento, não há uma regulamentação formal. Apesar da falta de uma legislação específica, o tema já é abordado em decisões importantes do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST). O MPT, por exemplo, tem estabelecido que os empregadores não podem exigir que os empregados realizem tarefas fora do horário de trabalho. Da mesma forma, o TST determinou que o trabalhador não é obrigado a responder a mensagens ou e-mails fora de seu horário de expediente.
A importância do direito à desconexão vai além do campo jurídico. Ele é um reflexo de um fenômeno crescente no mundo moderno: a dificuldade de se afastar das tecnologias e das demandas profissionais, que afeta tanto trabalhadores quanto suas famílias.
Flávia Rosati Lacerda, neuropsicopedagoga do Complexo Jordani TEA+, reflete sobre os impactos negativos dessa constante conectividade, principalmente, no que diz respeito à saúde mental e ao bem-estar das pessoas. Ela observa que, enquanto adultos, muitos enfrentam dificuldades para desconectar do trabalho ou das redes sociais, um hábito que está se tornando cada vez mais comum.
“É um grande desafio, especialmente para nós, adultos, que já temos maturidade suficiente, mas ainda assim lutamos para dosar o uso das telas. Eu mesma percebo os prejuízos, como dores de cabeça, causados pela exposição excessiva ao celular”, afirma Lacerda.
Esse fenômeno não afeta apenas os adultos. A neuropsicopedagoga também observa o impacto das telas na infância e adolescência, com o uso excessivo de dispositivos digitais gerando dificuldades cognitivas em crianças. Segundo ela, muitas crianças apresentam dificuldades de concentração e de foco em tarefas que não envolvem estímulos rápidos e constantes, como os encontrados nas redes sociais e jogos digitais.
“Na clínica, vejo cada vez mais pacientes com essas dificuldades. As telas proporcionam estímulos visuais e sonoros que as crianças não encontram em atividades do cotidiano, como a leitura ou a conversa. Isso acaba gerando um déficit de atenção e dificuldades em interações mais simples”, explica.
Flávia destaca que, como responsáveis, as famílias têm um papel fundamental na educação sobre o uso saudável da tecnologia. Ela alerta sobre a importância de impor limites, seja no ambiente escolar, clínico ou familiar. Para os pais, a recomendação é de um “autocontrole” no uso de dispositivos móveis, estabelecendo regras claras sobre o tempo e o conteúdo a ser consumido, especialmente no contexto infantil. A psicopedagoga enfatiza que as crianças que são educadas nesse sentido terão mais facilidade para socializar e interagir de maneira funcional com o mundo ao seu redor.
O crescente número de crianças e adolescentes que passam a maior parte do tempo em frente a telas é motivo de preocupação para muitos especialistas, que temem os impactos de uma geração que pode vir a sofrer com problemas de saúde mental e de habilidades sociais no futuro.
“Estamos em um momento crítico em que as famílias precisam retomar o controle sobre o uso de tecnologia. Se não tomarmos atitudes agora, as consequências poderão ser mais graves no futuro”, alerta Flávia Lacerda.
A regulamentação do direito à desconexão, tanto no âmbito profissional quanto familiar, aparece como uma medida importante para combater esse problema, permitindo que trabalhadores e famílias estabeleçam limites claros e preservem momentos essenciais de descanso e convivência sem a constante pressão das demandas digitais.