Na pacata comunidade de São Martinho, localizada no interior de Flores da Cunha, um cemitério histórico guarda as memórias dos primeiros imigrantes italianos que chegaram à região em 1875. Localizado a aproximadamente 200 metros da casa da professora de história, Fátima Caldart Galiotto, o cemitério é mais do que um simples local de descanso eterno; segundo a aposentada, “é um símbolo de respeito e carinho transmitido de geração em geração”. Construído pelos primeiros imigrantes italianos, o cemitério de São Martinho é uma raridade. É o único na região que mantém todas as características originais dos cemitérios construídos por esses pioneiros.
Desativado por volta de 1940, o cemitério é uma relíquia histórica que testemunha a trajetória dos imigrantes e suas famílias. Apesar de sua desativação, a manutenção do cemitério sempre foi uma prioridade para a família da professora aposentada. Fátima conta que “aprenderam com os pais e avós a ter um carinho muito grande por esse espaço”. Todos os anos, a família se reunia para roçar e cuidar do local, preservando sua história e memória. Inclusive, a professora, juntamente com um grupo de entusiastas da história, fundou a Associação Amigos do Museu de Flores da Cunha. Segundo a aposentada, “o objetivo é manter viva a história do município, preservando capelas, cemitérios e outros ícones históricos”.
A professora aposentada conta que propriedade onde o cemitério está localizado passou por cinco proprietários diferentes, até chegar às mãos de Pedro Molon. Após o falecimento dele, a propriedade foi colocada à venda, pela esposa. No entanto, o cemitério acabou se tornando um obstáculo para potenciais compradores, que desistiam ao ver o local. Exigindo que, a atual proprietária entrasse na justiça para desativar e extinguir o cemitério. A decisão gerou controvérsia na comunidade, que vê no cemitério um patrimônio histórico inestimável. Todavia, o juiz determinou que o cemitério poderia ser destruído, e a comunidade foi avisada que teria cinco dias para retirar os mortos, as cruzes de ferro, entre outros artigos sacros. “Foi um desespero”, relata a professora. A situação inusitada levou a associação a mobilizar a equipe de arte sacra da diocese de Caxias do Sul, pois o cemitério já era considerado um bem histórico, protegido por lei. Mesmo assim, o juiz manteve a decisão. Em resposta, a comunidade organizou um abaixo-assinado, com mais de 300 assinaturas, e buscou apoio da Câmara de Vereadores de Flores da Cunha para que a prefeitura tombasse o cemitério.
A professora conta que a imigração italiana na região começou em 1875, e por volta de 1880, os imigrantes já haviam estabelecido a comunidade de São Martinho, com o cemitério sendo uma das primeiras construções. “Temos lápides datadas de 1890”, destaca a professora. Contudo, segundo a lei, um bem histórico não pode ser destruído de forma abrupta, e como o cemitério, conhecido como Campo Santo dos imigrantes, é parte do roteiro Caminhos do Alfredo, ele também é considerado um símbolo da herança cultural da comunidade. Conforme Fátima, o “Campo Santo” possui características especiais, como cruzes com arabescos incríveis, obras de arte dos ferreiros da época, cada uma com um design único. A professora ainda lamenta que muitas cruzes foram removidas para serem usadas em ferraduras.
O cemitério também possui um limbo, ou seja, uma área fora da terra abençoada, onde eram enterrados indigentes e crianças não batizadas. Fátima explica que além de homenagear os imigrantes que ali descansam, o cemitério também guarda histórias da Revolução de 1923, quando 40 homens morreram em um embate entre maragatos e chimangos. Esses corpos foram enterrados clandestinamente no cemitério da comunidade. Segundo a professora, o escritor Plínio Mioranza documentou essa história no livro “100 Anos de Silêncio”, que a comunidade planeja editar e divulgar, pois o escritor faleceu antes do seu lançamento. Conforme Fátima, “o cemitério é uma página importante da história do Rio Grande do Sul.” Na opinião da aposentada, “a história do cemitério de São Martinho é um lembrete da importância de preservar nossas raízes e respeitar a memória daqueles que vieram antes de nós”. A luta pela preservação desse espaço continua, impulsionada pelo amor e dedicação de uma comunidade que não quer esquecer seu passado.