Neste 15 de novembro celebramos o Dia da Proclamação da República no Brasil. Um marco fundamental na história do país, que remonta a 1889, quando um golpe militar, liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, derrubou a monarquia de Dom Pedro II e instaurou a República. Este evento ocorreu na atual Praça da República, no Rio de Janeiro, que à época era conhecida como Praça da Aclamação, e selou o fim de um regime que durou mais de 60 anos.
A mudança de regime, embora inesperada para grande parte da população, foi o culminar de um processo de insatisfação que vinha se intensificando há décadas. Para compreender o impacto e o significado dessa transição, conversamos com o mestre e doutorando pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Felipe Milanezi, cientista político e pesquisador do Núcleo de Pesquisas sobre América Latina da instituição.
Segundo Milanezi, a luta pela República no Brasil remonta ao início do século 19, quando o país ainda era uma colônia de Portugal. O movimento republicano no Brasil foi fortemente influenciado por ideias vindas de fora, especialmente, da Revolução Americana de 1776, que inspirou outros países a seguir o exemplo da independência dos Estados Unidos. Contudo, até a década de 1880, o movimento republicano era ainda minoritário e bastante radical, sem grande apoio das elites brasileiras.
A insatisfação com a monarquia, especialmente, após a Guerra do Paraguai (1864-1870), foi um dos fatores que aceleraram esse movimento. O conflito gerou um grande endividamento externo e uma crise econômica, principalmente, devido ao empréstimo contraído com a Inglaterra. Para Milanezi, a crise econômica, somada ao descontentamento com a abolição da escravatura em 1888 — uma medida imposta sob forte pressão internacional, especialmente da Inglaterra —, gerou uma onda de insatisfação nas elites dominantes. A perda da mão de obra escrava, crucial para a economia agrícola brasileira, foi vista como um golpe na estrutura de poder que sustentava a monarquia.
Portanto, o 15 de novembro de 1889 não foi um dia de festa para a maioria da população. A proclamação da República foi o resultado de uma aliança entre militares e setores da elite republicana que já viam na transição uma maneira de preservar seus privilégios. No entanto, como explica Milanezi, o próprio Marechal Deodoro da Fonseca, líder do golpe, não era um republicano convicto. Apenas 60 dias antes, ele havia escrito um manifesto defendendo a monarquia. Foi pressionado a mudar de posição, principalmente por uma combinação de fatores: o medo de uma revolta popular e a proximidade com Dom Pedro II, o qual ele respeitava pessoalmente, mas sabia que sua permanência no poder era insustentável.
O golpe foi apressado após um boato de que o Imperador teria descoberto o plano e planejava prender os líderes republicanos. Com isso, Deodoro e seus aliados anteciparam a Proclamação para o dia 15 de novembro, que ocorreu de forma surpreendente e sem um grande apoio popular. Em poucas horas, a família imperial embarcou rumo a Lisboa, e o Brasil dava início a um novo regime. O primeiro ato do governo republicano foi a criação de um governo provisório, sob o comando de Deodoro da Fonseca, que assumiu com poderes quase ditatoriais. A liberdade de imprensa foi suprimida e o Estado passou a ser oficialmente laico. No entanto, o novo regime não foi capaz de resolver os problemas econômicos que assolavam o país, e as crises financeiras se seguiram. Milanezi aponta que uma das políticas adotadas, a emissão de moeda para cobrir dívidas, gerou uma grande inflação e aumento da insatisfação popular, dando início a uma série de revoltas, como a Revolta da Vacina e a Revolta da Chibata.
O grande legado da Proclamação da República, no entanto, é o protagonismo dos militares, que permaneceram influentes ao longo de boa parte da história política do Brasil. De acordo com Milanezi, o papel dos militares na transição para a República estabeleceu um modelo de “tutela” sobre o regime, que perduraria por décadas. A relação entre as forças armadas e a política brasileira continuaria a ser marcada por episódios de intervenções militares, como o golpe de 1964 e outras tentativas de subverter o poder civil.
Milanezi também alerta para o “mito” da Proclamação da República como um movimento popular e republicano. Ele enfatiza que, ao contrário do que se costuma afirmar, a transição para a República foi mais um ajuste de poder entre as elites do que uma verdadeira revolução popular. A República brasileira, por muito tempo, manteve uma estrutura profundamente hierárquica e conservadora, em grande parte devido à permanência do poder militar.
Hoje, em um momento de crescente protagonismo das Forças Armadas na política nacional, especialmente desde 2014, Milanezi faz uma reflexão sobre o papel dos militares no Brasil contemporâneo. O recente envolvimento das Forças Armadas em diversos cargos executivos e legislativos, incluindo a presença de militares na presidência da República, resgata um histórico de “tutela” militar que data da própria Proclamação da República.
Em meio a crises políticas e insatisfações com a democracia, como demonstrado pelo crescente número de abstenções e votos nulos nas últimas eleições, o Brasil continua a se perguntar sobre o verdadeiro sentido da República. A história de um golpe militar que instaurou a República, mas também manteve uma estrutura autoritária, ainda ecoa no Brasil de hoje, e a construção de uma democracia mais plena e representativa segue como um desafio central para o país.
Neste 15 de novembro, é essencial refletirmos não apenas sobre os eventos históricos, mas também sobre o caminho que ainda estamos traçando, com as lições do passado e os desafios do presente. A Proclamação da República foi, sem dúvida, um marco, mas a verdadeira construção da República brasileira continua.