Após a decisão da Vara de Execução Criminal, proferida na última quinta-feira (14), que determinou a interdição total da Penitenciária Estadual de Caxias do Sul (PECS), conhecida como Penitenciária do Apanhador, devido à superlotação e problemas na rede elétrica, o local voltou a ser alvo de novos apontamentos. Uma inspeção extraordinária, realizada em 8 de novembro pela juíza titular da 2ª Vara de Execuções Criminais Regional de Caxias do Sul, Paula Moschen Brustolin Fagundes, revelou irregularidades no contrato de concessão da cantina, administrada pela empresa Mais Sabor Alimentos LTDA.
Segundo informações fornecidas pela direção da unidade, as entregas da cantina ocorrem duas vezes por semana, às quartas e sextas-feiras. De acordo com o Termo de Concessão, a empresa contratada deve comercializar produtos dentro da penitenciária sob regime de concessão de uso remunerado de espaço público. Em contrapartida, a concessionária paga mensalmente à concedente o valor de R$ 60.250, reajustado a cada 12 meses.
Entretanto, a empresa deveria seguir uma série de normas, que inclui a manutenção de um funcionário no local e a venda de produtos previamente aprovados pela administração prisional, o que, segundo a vistoria, não estava sendo cumprido. Os funcionários responsáveis pelas entregas não possuem controle direto sobre a contabilidade, com registros dos pagamentos em listas manuais. Além disso, foram encontrados diversos itens não autorizados pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (SUSEPE), como carnes especiais, doces, refrigerantes e produtos de higiene de marcas específicas.
Outro problema identificado é que muitos produtos entram na unidade sem registro fiscal. A empresa utiliza uma única nota fiscal para todas as entregas, o que configura possível sonegação tributária. O scanner usado para inspecionar as mercadorias não registra imagens, o que também dificulta a fiscalização de itens proibidos.
A cantina, formalmente instalada no “Depósito 2”, não funciona como ponto de venda diário, sendo utilizada apenas como depósito pela concessionária. O dinheiro que circula nas galerias não é destinado à cantina, o que levanta suspeitas de atividades ilícitas, como lavagem de dinheiro. O relatório aponta que as práticas da cantina podem facilitar atividades ilegais na unidade prisional, o que inclui a submissão de presos a organizações criminosas e arrecadação de dinheiro sem controle estatal, possivelmente usado para fins ilícitos.
As galerias da penitenciária organizam-se de forma autônoma para receber as mercadorias, sendo gerenciadas por presos designados como “cantineiros”, que cuidam dos pedidos e pagamentos. Durante a inspeção, foi constatado que os pagamentos frequentemente não eram quitados integralmente, resultando em débitos anotados para acerto posterior, muitas vezes via transferência eletrônica (PIX). Na Galeria C, foi registrado um pagamento parcial de R$ 4,9 mil em dinheiro, com saldo devedor superior a R$ 16 mil na data da vistoria.
Alguns produtos entregues estavam em condições inadequadas, como sorvetes e gelo derretidos devido a atrasos na entrega. Presos da Galeria B relataram que não recebem itens de higiene pessoal da SUSEPE há anos e são obrigados a adquirir na cantina.
Além disso, a empresa recebe altos valores via transferências bancárias e PIX, mas não há registros contábeis que correspondam à maioria das vendas. Isso gera inconsistências, como valores de vendas superiores ao montante de dinheiro permitido a visitantes.
A Mais Sabor Alimentos LTDA. é responsável por 16 das 40 cantinas em estabelecimentos prisionais do Rio Grande do Sul. Diante das irregularidades constatadas, a juíza determinou que a ata da inspeção fosse anexada ao processo administrativo da penitenciária e enviada ao Ministério Público, à direção da PECS e à 7ª Delegacia Penitenciária Regional (DPR). Uma decisão judicial posterior tratará das irregularidades identificadas.