No lugar do túmulo, um jardim repleto de flores e pássaros entoa cantos em meio à serenidade do ambiente. Dos tijolos que antes fechavam a sepultura, surgem música, pétalas e uma porta que simboliza a chegada ao paraíso. O último adeus na partida de entes queridos passa a ganhar novos significados e formatos com a cremação. Apesar de parecer uma prática moderna, ela existe há mais de 3 mil anos, desde quando os gregos cremavam, a céu aberto, os corpos de soldados mortos em combate, em honra aos deuses e à jornada espiritual.
Embora o Brasil seja um país de tradição católica, religião que proibiu a cremação até 1963, o primeiro crematório surgiu apenas na década de 1970, em São Paulo. Desde então, diferentes crenças têm visões distintas sobre o tema. A Igreja Anglicana recomenda a cremação desde 1944, enquanto a Igreja Ortodoxa ainda a proíbe. Para o budismo e o hinduísmo, trata-se de uma prática essencial, associada à purificação e ao desapego espiritual. Já o islamismo, o judaísmo e o candomblé rejeitam o procedimento, por entenderem que o corpo deve retornar à terra. No espiritismo, a cremação é aceita, mas recomenda-se um intervalo de dois a três dias após o falecimento, para garantir o completo desligamento do espírito do corpo físico.
Apesar das diferentes visões religiosas e culturais, a busca pela cremação tem crescido, ainda que de forma tímida, e está diretamente relacionada a fatores socioculturais. A expansão das cidades tem provocado um problema crescente: a falta de espaço nos cemitérios, um dos principais motivos que impulsionam a procura por essa alternativa.
Em Caxias do Sul, atualmente existem dois cemitérios públicos municipais. O Cemitério Público Municipal conta com cerca de 13.219 espaços ocupados, 5.188 gavetas arrendadas, 2.759 gavetas particulares e 3.800 túmulos particulares. Já o Cemitério Público Municipal II – Rosário possui aproximadamente 1.286 gavetas arrendadas e 186 gavetas particulares.
Conforme o secretário de Gestão Urbana, Rodrigo Webber, há atualmente grande dificuldade em encontrar túmulos disponíveis para crianças e pessoas obesas. Embora ainda exista disponibilidade geral, o número de espaços para esse público tem diminuído. Ele ressalta que a manutenção ocorre de forma contínua e é intensificada neste período de Finados. Além disso, acredita que a prática da cremação deve ganhar mais força nos próximos anos.
Desde 2006, o Crematório São José, do Grupo L. Formolo, é a principal empresa responsável pelo serviço de cremação em Caxias do Sul. O diretor comercial do grupo, Matheus Formolo, explica que a busca por uma despedida mais digna é um dos principais fatores que levam à escolha pela cremação, seguida por preocupações ambientais e pela lotação dos cemitérios. Ainda segundo ele, a opção pela cremação deve crescer nos próximos anos. Atualmente, o serviço representa cerca de 20% dos casos em Caxias do Sul, mas a tendência é de aumento, especialmente entre as novas gerações.
Ele explica que a principal diferença em relação ao sepultamento tradicional está no encerramento: o cerimonial final ocorre no crematório, em um ambiente preparado para homenagens e lembranças, tornando a despedida mais humanizada e acolhedor, processo fundamental para o período do luto. No espaço, o caixão percorre uma correia instalada no chão, com pétalas que caem conforme o caixão adentra a porta que simboliza a entrada no céu. O caixão para cremação deve ser feito de materiais que suportem altas temperaturas, como madeira, e conter o mínimo possível de metais, pois estes danificam o equipamento do crematório.

dIVULGAÇÃO | cREMATÓRIO SÃO JOSÉ
Após o cerimonial, o processo completo da cremação leva cerca de três horas para ser concluído. Já o prazo para entrega das cinzas é de até sete dias. As famílias podem levá-las para casa, mantê-las no Crematório São José ou realizar o espargimento no Jardim em Memória, um espaço simbólico que representa o retorno à natureza. O local também oferece lóculos cinerários, individuais ou familiares, para acomodar as urnas.

dIVULGAÇÃO | cREMATÓRIO SÃO JOSÉ
Sobre os custos, Formolo salienta que a cremação custa R$ 3.180, podendo ser parcelada em até 10 vezes, valor que não inclui os serviços funerários. Já o sepultamento varia: em cemitérios privados, pode chegar a R$ 19 mil; no Santos Anjos, uma gaveta custa R$ 4.900; e nos cemitérios públicos, cerca de R$ 200 por cinco anos. Para quem não possui túmulo familiar, a cremação tende a ser mais econômica. Há também planos mensais, como o da AssistPrev, com mensalidades a partir de R$ 64,90.
Atualmente, diante da superlotação dos ossários e da dificuldade de expansão dos espaços nos cemitérios, o Crematório São José foi o vencedor da licitação para a cremação dos restos mortais. A parceria ocorre por meio da Secretaria de Gestão Urbana e da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMMAS). Matheus Formolo relembra que, após cinco anos nas gavetas públicas, a legislação determina a remoção dos corpos. Caso a família não o faça, a Prefeitura realiza a cremação dos restos mortais, serviço executado pelo Grupo L. Formolo por meio da licitação. As cinzas são depositadas em um memorial no próprio cemitério, em homenagem aos falecidos.

dIVULGAÇÃO CREMATÓRIO SÃO JOSÉ
Neste Finados, as tradicionais missas seguem sendo realizadas pelo crematório. Matheus destaca que, em mais um ano, a mensagem é que os presentes vivam o momento de reflexão, homenagem e gratidão pela vida dos que partiram.
Seja pela forma tradicional de despedida, por meio dos enterros, ou pela opção da cremação, cada partida é um momento de lembrar com carinho daqueles que fizeram parte das nossas vidas, um tempo para refletir sobre as marcas positivas deixadas e se apegar aos momentos vividos lado a lado. Que em mais um Dia de Finados o significado vá além da saudade: que seja um tempo de gratidão, amor e presença na memória. Porque quem partiu continua vivo nas lembranças, nos gestos que ensinou e no afeto que permanece, silencioso, em cada oração que recorda.







