O 20 de Setembro marca a memória da Revolução Farroupilha e o orgulho de ser gaúcho. Uma data que celebra não apenas a história, mas também os símbolos que representam a identidade do Rio Grande do Sul. Cada elemento reforça a força da tradição e o sentimento de pertencimento. Entre esses símbolos está o chimarrão, o mate amargo cevado, que vai além de uma bebida típica: representa hospitalidade e identidade cultural. Reconhecido em 2023 como Patrimônio Cultural Imaterial do Rio Grande do Sul, o chimarrão tem raízes profundas. Mas antes de saber mais sobre esse símbolo, faça uma pausa e prepare o seu chimarrão.
Originário dos povos indígenas, especialmente dos guaranis, na região que hoje corresponde ao Paraguai, o uso das folhas de erva-mate em mastigações e infusões era uma prática recorrente para obter energia e fortalecimento. É nesse contexto que o doutor em História e professor da Universidade de Caxias do Sul, Rodrigo Luis dos Santos, explica que os indígenas já utilizavam porongos e água, tanto quente quanto fria, dando origem ao chimarrão e ao tererê. Mais do que uma bebida, era considerado um alimento revigorante, ligado a rituais e à coletividade. O costume se espalhou para outros grupos indígenas e, posteriormente, chegou ao território brasileiro, em áreas como Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, cada qual com variações.
Nem sempre o mate foi visto com bons olhos e chegou a ser considerado algo maligno. Com o tempo, porém, o hábito foi incorporado pelos jesuítas e, mais tarde, por imigrantes europeus, que encontraram na bebida uma forma de aquecer o corpo no inverno e revigorar depois do trabalho. Esse processo ajudou a consolidar o chimarrão como um dos principais símbolos da identidade gaúcha. A bebida se expandiu como construção de identidade e, sobretudo, como símbolo de hospitalidade. Essas mudanças, segundo Santos, fazem parte da própria natureza das tradições, que estão sempre em processo de invenção e transformação.
E diante de tanta história, o chimarrão apresenta hoje enorme variedade. Do preparo no porongo às diferentes cuias, bombas e tipos de erva, cada detalhe faz parte desta tradição. O especialista em erva-mate e empresário Bruno Magalhães percebeu esse universo ao inaugurar, em 2019, o “O Chimarreiro”, em Gramado e que se consolida atualmente, em Caxias do Sul. A loja nasceu para suprir a falta de espaços especializados, oferecendo ervas, acessórios e utensílios. A escolha da erva, segundo ele, passa pelo paladar de cada pessoa, algumas preferem sabores mais suaves, outras não abrem mão do amargor. Há ainda a dica de conservação.
As transformações ao longo do tempo entre os apreciadores de chimarrão também são marcadas pela tendência da personalização de cuias. Magalhães explica que cada modelo carrega características próprias e atende a diferentes gostos. Para alguns, o valor está na tradição e no formato; para outros, na praticidade ou no sabor mais puro da erva. Ele salienta que não existe uma cuia considerada a melhor, mas que o item deve sempre estar de acordo com o gosto de cada pessoa.
Mas entre toda a cultura e o chimarrão que se tornou parte do dia a dia, Bruno revela uma curiosidade: não é gaúcho, e sim nascido em São Paulo. Hoje, reforça não apenas o aspecto cultural, mas também os benefícios à saúde, já que a erva é digestiva, diurética e estimulante.
Mesmo com tanta força no Sul, o consumo ainda é baixo em outras regiões do Brasil. A proposta, segundo ele, é ampliar o hábito e mostrar que a erva-mate vai além da tradição.
É nessa partilha que o chimarrão vai além de uma bebida típica. Ao lado do churrasco, das danças e da fumaça que envolve os piquetes dos CTGs no Acampamento Farroupilha, no Parque de Eventos da Festa da Uva, em Caxias do Sul, o mate, por meio das rodas de conversa, se torna um símbolo de boas lembranças.
Nesse cenário, Daniel Deluchi, 49 anos, sócio-fundador do CTG Rancho de Esperança, relembra a importância do chimarrão e o trabalho de inclusão social promovido pela entidade. Fundado em 7 de fevereiro de 2015, o CTG nasceu com o lema de incentivar os jovens a manter viva a cultura gaúcha e, principalmente, acolher pessoas com necessidades especiais.
Quando o assunto é chimarrão, os olhos de Daniel brilham. Para ele, mais do que sabor, o mate representa companhia e conforto, até nos momentos de solidão. Está presente em todas as fases do dia: ao acordar, como forma de planejar a rotina, e à noite, como pretexto para reunir amigos e familiares.
Entre as tantas memórias construídas ao redor da cuia, uma se destaca: os momentos vividos com o pai, o avô e a filha, lembranças que o fazem chorar de saudade. Quando questionado sobre o sentimento que resume o chimarrão, Daniel recorre a uma frase que carrega consigo desde os tempos em que representava o CTG em provas artísticas.
No cuidado com a erva, no sabor e nos rituais, se revela toda a riqueza do chimarrão. Do aroma ao preparo, do modo de servir às regras de etiqueta, cada detalhe compõe a cultura dessa bebida. Eu finalizo esta reportagem na companhia de um bom chimarrão. Que esse símbolo continue ultrapassando gerações, promovendo a nossa cultura e, principalmente, siga sendo a expressão de hospitalidade e união entre as pessoas.
Viva o bom chimarrão, viva todos os gaúchos desta querência e viva mais um 20 de Setembro!
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