Reconhecimento jurídico, cidadania e desafios atuais são temas abordados por David Denner de Lima Braga, titular do Registro Civil da 2ª Zona de Caxias do Sul.
Há 12 anos, em maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecia as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo como entidades familiares, marco que representou um divisor de águas no reconhecimento de direitos civis à população LGBTQIA+ no Brasil. Dois anos depois, em 2013, a Resolução nº 175 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) consolidou esse entendimento ao tornar obrigatória a celebração de casamentos civis entre casais homoafetivos nos cartórios de todo o país.
Desde então, os serviços de Registro Civil têm desempenhado um papel central na efetivação desses direitos. Em Caxias do Sul, o titular do Registro Civil da 2ª Zona, David Denner de Lima Braga, acompanha de perto os avanços e desafios dessa trajetória. Segundo ele, a atuação dos cartórios tem sido determinante para transformar o reconhecimento jurídico em cidadania concreta.
“A regulamentação do CNJ foi decisiva. Ela impôs que nenhuma autoridade envolvida no processo de habilitação para o casamento poderia negar esse direito a casais homoafetivos. Isso criou a demanda e obrigou o sistema a se adequar”, explica David.
Na prática, isso significou que cartórios, Ministério Público e até mesmo o Judiciário não podem recusar a celebração de casamentos homoafetivos, garantindo segurança jurídica e igualdade de direitos patrimoniais e pessoais. “Antes, casais homoafetivos precisavam comprovar a existência de uma ‘sociedade de fato’ para acessar direitos básicos, como divisão de bens. Hoje, com o casamento civil, tudo é documentado e reconhecido desde o início da relação”, afirma.
Ainda assim, nem tudo são conquistas definitivas. David lembra que o atual Código Civil, em vigor desde 2002, ainda define o casamento como união entre homem e mulher — um anacronismo diante das decisões judiciais. “No novo projeto de atualização do Código, que está em debate, há a proposta de definir o casamento como união entre pessoas. Mas essa mudança, mesmo sutil, ainda enfrenta resistências no Congresso”, aponta.
Ele também alerta para o risco de retrocessos, mencionando casos internacionais e o cenário político brasileiro, onde forças conservadoras frequentemente tentam barrar avanços legislativos. “Vivemos uma constante tensão entre o que é decidido pelo Judiciário e o que o Legislativo está disposto a reconhecer. O Judiciário tem sido o motor das mudanças, mas isso mostra como a cidadania ainda está vulnerável a retrocessos.”
Apesar dos desafios, David destaca que, no dia a dia do cartório, a naturalização dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo é uma conquista importante. “Hoje, vemos casais homoafetivos se casando com a mesma tranquilidade de qualquer outro casal. Isso é significativo e mostra que a inclusão se dá também nos pequenos atos da vida civil.”
No Brasil, onde o reconhecimento legal ainda depende fortemente da documentação formal, a atuação dos cartórios não apenas assegura direitos, mas também valida existências. “A cidadania no Brasil é exercida por meio de documentos. O Registro Civil é o cartório da cidadania. Ele marca o início da vida civil de cada pessoa”, conclui.
A comemoração dos 12 anos do reconhecimento legal das uniões homoafetivas reforça não apenas as conquistas, mas também a necessidade de vigilância e luta contínua por igualdade, dignidade e justiça para todos os tipos de família.