Os números de casos de suicídios, nos últimos anos, no Rio Grande do Sul são alarmantes. Em 2024, conforme dados da Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS), foram registrados 1.437 casos, frente aos 1.659 contabilizados em 2023. Neste ano, os números ainda não foram divulgados, mas tendem a seguir altos. A média segue elevada pois são quatro suicídios registrados por dia no Rio Grande do Sul, que lidera o ranking de casos de suicídio entre os estados brasileiros.
O dado supera, em alguns períodos, as mortes diárias causadas no trânsito, quem alerta é o psiquiatra Ricardo Nogueira, que coordena o Núcleo de Psiquiatria do Sindicato Médico do RS (Simers), atua no Hospital Mãe de Deus de Porto Alegre e é preceptor de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da Ulbra. Considerado um dos principais pesquisadores no assunto, ele falou sobre os casos de suicídio durante entrevista à Rádio Caxias nesta quinta-feira (18), por conta do Setembro Amarelo, mês de conscientização ao suicídio. De acordo com o médico, em Caxias do Sul, diferentemente de outras cidades gaúchas, os casos são menos setorizados. Conforme o especialista, isso impede a elaboração de estratégias territorializadas de prevenção, diante de áreas mais vulneráveis — algo que estudiosos defendem como essencial no enfrentamento da crise de saúde mental que atravessa o Estado e o país.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou, recentemente, um relatório que coloca a solidão como um risco tão severo quanto doenças crônicas. Ela estaria relacionada a quase um milhão de mortes por ano no mundo, ou cerca de 100 por hora. O impacto é sistêmico: cardiovascular, endócrino, imunológico — e profundamente psicológico. Em Caxias, esse sentimento ecoa de forma silenciosa. De acordo com o doutor Ricardo Nogueira a cidade serrana, embora industrializada e com uma economia forte, também vive os efeitos do isolamento social moderno, ou seja, vidas solitárias, juventude pressionada por expectativas irreais, e idosos abandonados. Conforme ele, “todos compartilham o mesmo risco: a perda do senso de pertencimento”.
Dados também revelam que o suicídio já é a terceira principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos no Brasil. Em universidades do Estado, como a FURG e a UFPel, casos recentes de suicídio entre estudantes levaram até à suspensão de aulas. A Faculdade de Medicina da Ulbra, em Canoas, também registrou dois suicídios neste ano. Doutor Ricardo afirmou que, atualmente, existem “jovens menos felizes, com menos esperança”, diante de pressões sofridas pelas redes sociais e “por não alcançarem padrões irreais de beleza e sucesso”.

Conforme o especialista, além da solidão, a vergonha, o estigma e a culpa ainda dificultam o diálogo sobre suicídio, inclusive dentro das famílias. O tabu, perpetuado desde o Estado Novo — quando um decreto chegou a proibir a divulgação de casos de suicídio — ainda paira no imaginário coletivo. O médico pondera que, mesmo quando há sinais claros — como automutilações, isolamento, mudanças bruscas de comportamento ou desesperança — muitos familiares não sabem como agir. Com isso, “as pessoas se culpam, evitam falar sobre o assunto e, em muitos casos, outro membro da mesma família acaba cometendo suicídio um ano depois”, alerta o especialista.
Durante a entrevista, o médico fez duras críticas sobre o tempo de espera para atendimentos psiquiátricos através do sistema público de saúde. Afirmou que em Porto Alegre, por exemplo, a fila para uma consulta pode levar até 180 dias, um tempo demasiado, segundo Ricardo, pois quando se trata de alguém em risco, esse período é fatal. Por fim, o médio psiquiatra deixou um alerta: “o suicídio é uma emergência. Tem que ser tratado como urgência médica. A cada tentativa frustrada que não recebe cuidado, aumenta o risco de a próxima ser fatal”. Conforme ele, estudos mostram essa realidade que, em média, uma pessoa morre na 5ª tentativa de suicídio e não na primeira. “É necessário vencer o silêncio — não apenas das vítimas em potencial, mas também das instituições”, completou o médico. Doutor Ricardo também procurou divulgar o número do Centro de Valorização da Vida (CVV), que segundo ele, apresenta um belo trabalho à sociedade, onde atendentes voluntários e preparados ouvem pessoas, também no apoio emocional e prevenção do suicídio. Para isso basta ligar no 188. A ligação é gratuita. Sem dúvida, além desse apoio, o especialista foi enfático: “procure um profissional médico que vai estar próximo, ouvindo e apoiando o paciente no enfrentamento de qualquer problema com a saúde mental”.
Confira aqui a entrevista completa.