Conheça iniciativas e práticas que ajudam famílias a tomar decisões financeiras mais conscientes e seguras
Em tempos de juros altos, inflação persistente e endividamento crescente, o tema educação financeira deixou de ser uma opção para se tornar uma necessidade social e cidadã. Mais do que saber lidar com o dinheiro, trata-se de compreender direitos, deveres e oportunidades dentro do sistema financeiro, para construir uma relação mais saudável e sustentável com o próprio bolso. É isso que o Banco Central do Brasil define como “cidadania financeira” — o conjunto de ações que unem inclusão, educação e proteção no uso de serviços financeiros.
O economista Pedro de Cesaro resume bem essa ideia ao afirmar que “educação financeira é dever de casa de toda a família”. Ele defende que o aprendizado deve começar cedo, em casa, com conversas francas sobre dinheiro, planejamento e consumo consciente.
Atividades simples, como a tradicional “banca de limonada”, ajudam a introduzir noções de renda, troca de bens e serviços. Esse tipo de prática, diz o economista, contribui para formar adultos mais conscientes e responsáveis financeiramente.
Os dados mais recentes do Banco Central acenderam um sinal de alerta. No primeiro semestre de 2025, a poupança registrou uma saída líquida de R$ 49,6 bilhões, o segundo pior resultado em 30 anos. É o nono semestre consecutivo de saldo negativo.
Segundo de Cesaro, esse movimento revela uma tendência preocupante: “As famílias estão usando suas economias não para investir, mas para pagar contas básicas. Isso mostra um enfraquecimento da capacidade de poupança e do planejamento familiar.”
A baixa rentabilidade da poupança — em torno de 8% ao ano — e o aumento do endividamento ajudam a explicar o cenário. A inadimplência entre pessoas físicas já ultrapassa 6%, segundo dados da própria instituição.
O quadro reforça a importância da educação financeira como política pública. Sem ela, o cidadão tende a cair em ciclos de endividamento, seja por consumo descontrolado, apostas online ou falta de conhecimento sobre alternativas mais seguras de investimento.
Em Caxias do Sul, uma parceria entre o Banco da Família e a Microempa buscou reverter essa realidade. O programa oferecia linhas de crédito acessíveis, consultoria financeira e acompanhamento personalizado a pequenos empreendedores.
De acordo com a presidente do Banco da Família, explica Isabel Baggio: “a ideia é garantir que o crédito seja uma ferramenta de crescimento, não de endividamento”. A ação integra o conceito de inclusão financeira, um dos pilares da cidadania financeira, ao permitir que empreendedores de baixa renda acessem recursos de forma consciente e sustentável.
Outras iniciativas, como o projeto Despertar, também têm ajudado famílias a fazer um diagnóstico completo de sua situação econômica e social, fortalecendo a autonomia e o protagonismo financeiro.
A educação do consumidor é outro ponto fundamental dessa transformação. O Procon de Caxias do Sul, por exemplo, tem investido em campanhas e palestras sobre consumo consciente e finanças pessoais, inclusive nas escolas municipais.
Além disso, a entidade participa do Mutirão Nacional de Negociação de Dívidas e Orientação Financeira 2025, promovido pela Associação Brasileira de Procons (ProconsBrasil) em parceria com o Banco Central e a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). A ação, realizada pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), ocorre durante todo o mês de novembro e oferece condições especiais para que consumidores renegociem dívidas em atraso.
Podem ser negociadas dívidas de cartão de crédito, cheque especial, crédito consignado e outras modalidades bancárias, desde que estejam em atraso e não tenham bens dados em garantia. Entre os benefícios, estão parcelamentos, redução de juros e descontos sobre o valor total da dívida. Conforme o coordenador do Procon Caxias, Jair Zauza: “é uma oportunidade para o consumidor sair da inadimplência e começar 2026 com as finanças em dia”.
Em nível estadual, o Conselho Estadual de Defesa do Consumidor (Cedecon) destinou R$ 3,6 milhões para a criação e modernização de Procons municipais, com foco em educação financeira e prevenção ao superendividamento. As ações reforçam o elo entre proteção e informação, garantindo que o cidadão tenha condições de tomar decisões financeiras de forma informada e segura.
Até porque, o início do ano costuma ser o momento ideal para colocar as finanças em ordem. E como estamos a poucos meses do início de 2026, o planejador financeiro Ricardo Dutra Pereira defende que o brasileiro adote o hábito de fazer um “check-up financeiro”, revisando receitas, despesas e dívidas.
Ele sugere o método 70-20-10:
- 70% da renda para despesas essenciais,
- 20% para objetivos de médio prazo,
- 10% para investimentos de longo prazo.
Conforme Dutra, “organizar o orçamento e definir metas é o primeiro passo para a liberdade financeira”. Ele também reforça a importância de educar as crianças financeiramente, para que cresçam com noções de poupança, prioridade e responsabilidade.
Mas se de um lado o país avança na inclusão, de outro enfrenta novas ameaças. O Banco Central revelou que um em cada três brasileiros já fez apostas online — o que representa cerca de 34% da população adulta.
O economista Rodrigo Mello alerta para o risco que o mercado de apostas representa à saúde financeira das famílias: “O jogo muitas vezes surge como uma tentativa de complementar a renda, mas acaba se tornando um gatilho para o endividamento e a perda de controle.” Para ele, a regulação do setor é necessária, mas precisa vir acompanhada de educação financeira e campanhas de conscientização sobre o vício em jogos.
A boa notícia é que iniciativas como o Feirão Serasa Limpa Nome têm ajudado consumidores a renegociar dívidas com descontos de até 99%. A ação, realizada em parceria com os Correios, também oferece orientação financeira gratuita, aproximando informação e oportunidade para quem busca um recomeço. Para a coordenadora de SPC e Cobrança da CDL Caxias, Rita Pereira, as condições diferenciadas ofertadas permitirão aos consumidores ter um maior controle sobre suas finanças, especialmente na época de final de ano, quando os gastos costumam aumentar.
No campo social, o deputado Eduardo Suplicy defende a Renda Básica de Cidadania, como um direito universal e instrumento de combate à pobreza extrema. Segundo ele, a medida pode garantir uma base mínima de segurança econômica, permitindo que as famílias planejem suas finanças com dignidade.
A cidadania financeira, conceito central do Banco Central do Brasil, vai além do simples ato de economizar. Ela abrange a inclusão, o acesso responsável ao crédito, a educação contínua e a proteção contra práticas abusivas.
Mais do que números, trata-se de valores — os que realmente transformam a vida das pessoas e fortalece o futuro econômico do Brasil. A pesquisa da Creditas reforça a urgência dessa transformação, segundo a economista, Maria Carolina Gullo, ela indica que o cartão de crédito e o consumo desordenado continuam entre os principais desafios financeiros das famílias brasileiras, evidenciando que educação financeira não é luxo, mas necessidade.
No Brasil, ainda há um longo caminho a percorrer. Mas os exemplos se multiplicam: famílias que conversam sobre dinheiro, escolas que abordam o tema em sala de aula, prefeituras que apoiam o microcrédito e consumidores que aprendem a negociar suas dívidas. O resultado é um novo modelo de relação com o dinheiro — mais consciente, sustentável e cidadão. Como resume o economista Pedro de Cesaro: “A educação financeira é o primeiro passo para a liberdade. Quando as pessoas entendem o valor do dinheiro, passam a decidir melhor, viver melhor e construir um país mais justo.”





