Em um país marcado por desigualdades, desastres climáticos e desafios de saúde pública, gestos solidários seguem sendo a ponte que liga esperança e reconstrução. Seja com tempo, recursos, sangue, órgãos ou livros, a doação — em suas diferentes formas — tem mostrado que pequenas atitudes podem gerar grandes mudanças. É justamente essa reflexão que pretendemos ampliar nesta reportagem, com um olhar especial sobre a cultura de doação no Brasil.
Evidenciando histórias que inspiram o engajamento coletivo, abordando desde o serviço ao doador até o papel das organizações sociais e da filantropia. Mais do que destacar boas narrativas, o objetivo é reconhecer o impacto que cada ato solidário tem na construção de uma sociedade mais empática.
Doar tempo: o poder da escuta e da presença

No Centro de Valorização da Vida (CVV), por exemplo, o tempo é o principal recurso doado. O coordenador do posto de Caxias do Sul, João Erni, destaca que o serviço voluntário oferece escuta gratuita, anônima e empática 24 horas por dia. “Em média, recebemos 1.400 ligações por mês na cidade. Em períodos como setembro e o final do ano, esse número cresce”, relata.
O CVV, que mantém cerca de três mil voluntários em todo o Brasil, depende exclusivamente de doações para seguir funcionando. A campanha nacional “Conexões”, lançada durante o Setembro Amarelo, deste ano, reforçou a importância de ouvir com atenção. “Gestos simples, como uma conversa acolhedora, podem salvar vidas”, afirma João.
O psiquiatra Ricardo Nogueira, coordenador do Núcleo de Psiquiatria do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), disse em entrevista para a Rádio Caxias que a empatia é uma das estratégias mais efetivas de prevenção. “O suicídio não é um fenômeno isolado. Ele atravessa todas as camadas sociais. Por isso, a escuta e o apoio comunitário são fundamentais”, explica.
Doar recursos: solidariedade que reconstrói

Após as enchentes de 2024 no Vale do Taquari, famílias de Muçum, no Rio Grande do Sul, tiveram um novo começo graças à união de empresas e voluntários. O Grupo Front e a Soprano entregaram 13 casas solidárias no bairro Jardim Cidade Alta II. Com apoio de empresários e doações privadas, o Projeto Casa Solidária já soma mais de 50 unidades em construção em diferentes cidades do estado. Segundo o vice-presidente da Soprano, Paulo Sachett, mais de R$ 2 milhões foram destinados a projetos sociais e à reconstrução de comunidades atingidas.
A solidariedade empresarial também se manifestou em Caxias do Sul, onde a Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC Caxias) destinou R$ 200 mil para a construção da ponte provisória sobre o Rio Caí, em Vila Cristina, após a tragédia climática. “Nosso objetivo foi unir esforços e restaurar a qualidade de vida das famílias atingidas”, afirmou o presidente da entidade, Celestino Loro, na época.
Doar sangue e órgãos: a generosidade que salva vidas

Enquanto muitos doam recursos materiais, outros compartilham o que têm de mais vital. No Hemocentro Regional de Caxias do Sul (Hemocs), o gesto de doar sangue é descrito pelo diretor técnico Roque Lorandi como parte de um “ciclo do sangue”, no qual cada etapa é essencial para garantir o atendimento a 49 municípios da região.
Já a assistente social Roberta Rizzon reforça que mitos ainda afastam potenciais doadores. “Doar sangue não engorda, não emagrece e não transmite doenças. É um processo seguro, rápido e acompanhado por profissionais”, explica.
No campo da doação de órgãos, o médico intensivista Rafael Lessa lembra que o Brasil ainda enfrenta barreiras culturais. “Muitos desejam ser doadores, mas não comunicam isso à família — e essa conversa é decisiva”, destaca.
Desde 2024, o estado conta com o Gerenciamento de Doações de Órgãos e Tecidos para Transplantes (Gedott), um sistema eletrônico que promete agilizar e tornar mais transparente todo o processo, antes realizado de forma manual. Segundo Rogério Caruso, coordenador da Central de Transplantes do RS, “a ferramenta vai reduzir a burocracia e facilitar o acesso das equipes às informações”.
Doar cultura e conhecimento: livros que libertam

Em outro campo da solidariedade, a Biblioteca Pública Dr. Demétrio Niederauer promove, anualmente, a doação de livros durante o “Mês do Livro”. A iniciativa incentiva o hábito da leitura e amplia o acesso à cultura.
O diretor de Livro e Literatura da SMC, Cássio Felipe Immig, destaca que “a doação de livros é um convite para que as pessoas se apropriem das obras e conheçam o mundo que existe dentro da nossa Biblioteca”. A ação celebra datas importantes como o Dia Internacional do Livro Infantil, celebrado em 2 de abril; e o Dia Nacional do Livro Infantil, comemorado em 18 de abril, em homenagem a Monteiro Lobato.
Doar esperança: o elo invisível entre quem ajuda e quem precisa

Histórias como a de Andrigo Zardo, voluntário que deixou tudo para ajudar vítimas das enchentes e devolveu a Dona Líria sua máquina de costura — instrumento de sustento —, mostra que a doação ultrapassa o material. É sobre reconstruir dignidade e laços humanos.
Como destacou o educador Paulo Freire, “a leitura é uma ferramenta de libertação”. Assim também é a doação — de sangue, de tempo, de escuta, de solidariedade.
No fim das contas, doar é mais do que um gesto: é um ato de cidadania. E como mostraram os nossos cases, dessa reportagem especial, é também um convite para contar — e multiplicar — histórias que inspiram.





