A catástrofe climática que atingiu o Rio Grande do Sul, em 2024, com enchentes históricas e perdas humanas e materiais devastadores, impuseram uma nova realidade ao Estado: não há mais tempo para ignorar os efeitos das mudanças climáticas. Mas, se o impacto foi coletivo, a resposta também precisou ser — e está sendo — construída em conjunto.
Do campo à cidade, da sala de aula às assembleias legislativas, um movimento de união tem ganhado força. É a sociedade gaúcha, em articulação com o poder público, universidades, cooperativas, empresas e organizações civis criando caminhos possíveis para resistir, adaptar e reconstruir. E, mais que isso: apontando soluções reais para o futuro ambiental do Brasil.
Terra Forte: resiliência com os pés no solo
Na agricultura familiar, a resposta veio com o programa Terra Forte, lançado em tempo recorde pelo governo estadual. A iniciativa concede até R$ 30 mil por família para reestruturação de propriedades atingidas por eventos extremos, com foco na contenção da água da chuva, correção do solo, recuperação de nascentes e práticas conservacionistas.
Segundo o presidente da Emater/RS, Luciano Schwerz, a proposta não é apenas ajudar: “Queremos transformar a forma como o agricultor convive com o clima. Estamos unindo técnica, assistência e recurso, mas, sobretudo fortalecendo redes de apoio no campo.”
A ação, executada com apoio da Emater, está sendo replicada em diversas regiões da Serra e do Vale do Taquari. Além de ajudar a reerguer o setor produtivo, estimula a solidariedade entre vizinhos e comunidades, muitas vezes isoladas ou fragilizadas após os desastres.
Conhecimento que conecta e protege
As universidades gaúchas também assumiram papel estratégico na resposta às mudanças climáticas. Pesquisadores da Universidade de Caxias do Sul (UCS), por exemplo, lideram o projeto City Living Lab, que entregou à prefeitura de Caxias do Sul um Mapeamento dos Indicadores de Resiliência Urbana, com foco em infraestrutura crítica, mobilidade, segurança hídrica e serviços essenciais.
De acordo com o professor Juliano Rodrigues Gimenez, diretor do Instituto de Saneamento Ambiental da UCS: “o futuro precisa ser construído com base em evidências, mas também com escuta. Por isso, o envolvimento das comunidades locais é essencial”.
Por sua vez, a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) produziu estudos que revelam perdas de até 85% de carbono no solo da Serra, após os eventos climáticos, alertando para o risco de colapso ecológico e a necessidade de restaurar ecossistemas com urgência, sob pena de perder décadas de produtividade agrícola. O estudo foi apresentado durante o seminário “RS Resiliência e Sustentabilidade”, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no dia 14 de março. A pesquisa analisou os efeitos das chuvas excessivas em áreas como pomares e áreas agrícolas de cooperativas instaladas em Bento Gonçalves, Pinto Bandeira e Veranópolis.
Conforme o pesquisador e professor de agronomia da UFSM, Gustavo Brunetto, a perda de matéria orgânica compromete a nutrição das plantas. Portanto, para restaurar a produtividade, Brunetto assegura que os produtores terão que investir em fertilizantes ou utilizar resíduos orgânicos, quando possível
Quando a resposta vem da comunidade
Em Caxias do Sul, a reconstrução ambiental ganha ainda mais força graças ao trabalho conjunto entre poder público, cooperativas, ONGs, setor privado e escolas. Um exemplo disso é o novo Ecoponto da Cooperativa Paz e Bem, inaugurado na RST-453. O espaço, que recebe móveis, eletrônicos e até cartelas de remédio, vai além da reciclagem: é um ponto de inclusão social, renda para recicladores e apoio a projetos solidários, como o Recanto da Compaixão, do Frei Jaime Bettega. De acordo com o presidente da cooperativa, Tiago Pavelski, “a reciclagem é feita com dignidade. E cada pessoa que participa ajuda a mudar a lógica do descarte e do consumo”.
Outro destaque é o projeto Jardins Criativos, que é liderado pela fotógrafa, Liliane Giordano, com apoio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semmas) e do programa RS Seguro. Em uma área antes abandonada, do bairro Santa Fé, crianças, voluntários e artistas transformaram o espaço em um jardim comestível, frutífero e educativo. O projeto une sustentabilidade, segurança pública e pertencimento — pilares fundamentais na reconstrução climática. Liliane explica que se trata de “um projeto de resiliência afetiva e ambiental. Onde o cuidado com o território nasce do envolvimento de todos”.
Educação, tecnologia e escuta: caminhos para um novo pacto climático
Para consolidar a mudança de cultura, o Estado e os municípios gaúchos estão investindo em educação ambiental estruturada e continuada. A Agenda de Educação Ambiental 2025 da Semmas, por exemplo, propõe o tema “Cidades Resilientes”, com: oficinas, trilhas, visitas guiadas e campanhas educativas protagonizadas pela personagem Áurea, símbolo da mascote ambiental de Caxias do Sul. O secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade, Ronaldo Boniatti, destacou a importância da integração da secretaria com a comunidade por meio das diferentes atividades promovidas.
O Legislativo também se mobilizou. Em agosto, a cidade sedia uma edição do Fórum Democrático – Pacto RS 2025, reunindo poder público, empresas, movimentos sociais e universidades para discutir propostas concretas de reconstrução. O presidente da Assembleia Legislativa, deputado Pepe Vargas (PT), sintetizou o espírito do encontro: “A crise climática nos obriga a abandonar velhas disputas. A única saída possível é a construção coletiva de soluções”.
Tecnologia também é parte desse caminho. No Simpósio de Inovação, Sustentabilidade e Tecnologia, promovido pelo Simplás, especialistas apontaram o papel da inteligência artificial no monitoramento de riscos climáticos, eficiência hídrica e gestão urbana. De acordo com o organizador do evento e 2º vice-presidente do Simplás e presidente eleito para a próxima gestão, Cláudio Meneghel, o simpósio promove reflexão, troca de experiências e debates sobre temas cada vez mais presentes no ambiente corporativo. Ele destaca especialmente a discussão sobre inteligência artificial, que tem transformado processos e modelos de negócio em diversos setores.

Conclusão: um modelo de reconstrução coletiva
O que se vê no Rio Grande do Sul é mais do que resposta emergencial. É um novo modelo de governança ambiental baseado em união, cooperação e corresponsabilidade. Seja na propriedade rural, na sala de aula, no galpão de triagem ou na praça pública, a reconstrução climática está sendo feita por muitas mãos — e muitos corações.