No Brasil, cada vez mais o amor e o cuidado rompem com os modelos tradicionais de família. Neste Dia dos Pais, histórias de “pães” — mães que exercem dupla função — e de adoções tardias desafiam padrões e revelam a urgência de políticas públicas mais inclusivas.
Neste domingo de Dia dos Pais, em muitos lares brasileiros não haverá café da manhã com gravata de presente. Em vez disso, haverá abraços apertados e olhares de admiração voltados a mulheres que enfrentam sozinhas a missão de criar e educar seus filhos — as chamadas “pães”: mães que assumem também o papel paterno.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 15% dos lares no país são chefiados por mães solo. Esse número representa mais de 1,7 milhão de mulheres que acumulam múltiplas jornadas e responsabilidades, sendo que 90% delas são mulheres negras. A maioria, mais de 70%, vive apenas com os filhos, sem qualquer rede de apoio — realidade marcada por sobrecarga e invisibilidade social.
É o caso de Selira Haese, aposentada, mãe de Elizângela Haese Dutra e avó de dois netos: Sara e Levy. Além disso, Selira também é a mãe adotiva de sua sobrinha, Erenice Haese, que acolheu aos quatro anos de idade. “Tive que abrir mão de muita coisa. Dormi com fome algumas vezes para garantir o prato das meninas no outro dia”, desabafa. O pai de Elizângela nunca assumiu a paternidade formalmente, o que agravou ainda mais a dificuldade de prover o sustento da casa.
Essa realidade, embora comum, segue sendo pouco abordada em políticas públicas. A ausência de creches, o acesso limitado a serviços de saúde e assistência, e a falta de reconhecimento dessas configurações familiares geram um ciclo de exclusão social que afeta diretamente o desenvolvimento de milhares de crianças.
Além dos desafios enfrentados por mães solo, outras formas de família também ganham visibilidade nesta data. Um exemplo é o de André Luís Engelke e Vivian Charara, amigos que se uniram por uma causa: o desejo de adotar. A adoção de Nathiely, então com um ano e dois meses, aconteceu após três anos de espera — e o processo começou de forma solo, mas acabou unindo os dois em uma convivência afetuosa e colaborativa.
Casos como o deles escancaram os entraves no sistema de adoção brasileiro. Segundo o painel do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), há mais de 5 mil crianças disponíveis para adoção, sendo 69,6% delas pretas ou pardas. A maioria tem mais de seis anos, o que torna o processo ainda mais lento e difícil. Em contrapartida, existem mais de 35 mil pretendentes à adoção no país — uma proporção que revela a disparidade entre a oferta e a demanda, causada em grande parte pela burocracia e por perfis idealizados de crianças desejadas.
Neste Dia dos Pais, o retrato da parentalidade no Brasil é diverso, desafiador e, acima de tudo, resiliente. Seja nas mãos de uma avó que se transforma em mãe duas vezes, seja no coração de amigos que viram pais por escolha, o cuidado e o afeto não seguem um modelo único. E essas histórias reforçam a necessidade urgente de políticas públicas que reconheçam e apoiem todas as formas de amar e educar.
NÚMEROS QUE FALAM:
- +5 mil crianças esperam por um lar — muitas em adoções tardias e com perfis fora do padrão.
- 1,7 milhão de mães solo chefiam lares no Brasil;
- 90% dessas mães são mulheres negras;
- +70% dessas mulheres não têm rede de apoio;
- 69,6% das crianças disponíveis para adoção são pretas ou pardas;
- +35 mil famílias estão habilitadas para adoção.