O número de crianças que esperam por atendimentos especializados em Caxias do Sul nas áreas de neurologia, psicologia, psiquiatria e fonoaudiologia causa espanto. Dados da Secretaria Municipal de Saúde revelam que a demanda represada passa de 5.000 pessoas aguardando por consulta com um especialista, entre adultos e crianças. Uma realidade que tem impactado, principalmente, no desenvolvimento integral dos pequenos, exigindo dos pais, muita resiliência para não perder a esperança de conseguir o atendimento.
Uma das crianças que espera na longa fila de espera é Laura Figueiredo, de seis anos. Ela é filha da atendente de loja, Ana Cláudia Hernandes Chaves. A menina aguarda por uma consulta com um fonoaudiólogo, há um ano e três meses. A mãe relata que a dificuldade dela em articular as palavras foi observada pelos professores da educação infantil, quando ela tinha quatro anos. No entanto, apesar da pediatra ter encaminhando o pedido de consulta especializada, em agosto de 2022, até agora, Laura ainda não foi chamada para o atendimento médico.
Conforme Ana Claúdia, a demora causa problemas no desenvolvimento cognitivo da criança, com retardo na fala e também na alfabetização. Ela conta que a escolinha tem cobrado sistematicamente pelo atendimento especializado, mas sem sucesso. Enquanto isso, segundo a mãe, funcionários da Unidade Básica de Atendimento Bela Vista (UBS), responsável pelo encaminhamento, apenas informam que a consulta já foi autorizada. Eles orientam à mãe, que é preciso aguardar, pois a fila é longa. A espera quase sem fim tem angustiado a mãe, que alega não ter condições de custear o tratamento da menina na rede privada de saúde, uma vez que a família sobrevive com salário mínimo.
A preocupação de Ana Claudia com a filha se justifica, principalmente, do ponto de vista das consequências que a demora no atendimento pode causar à criança. A fonoaudióloga Carla Dal’Alba diz que o diagnóstico e atendimento tardios, para além dos dois anos, pode acarretar problemas a longo prazo, e não apenas no desenvolvimento da fala. Isso porque a linguagem é um importante mecanismo de interação social. Desta forma, deficiência na fala pode levar a outros problemas, inclusive, de convívio com a comunidade escolar. A fonoaudióloga esclarece que, muitas vezes, é necessária uma abordagem multidisciplinar para identificar as causas do problema, que nem sempre tem questões biológicas.
Carla aponta que a aquisição e o desenvolvimento da linguagem são marcos importantes no desenvolvimento de uma criança, ou seja, que o retardo no diagnóstico bem como a adoção do correto tratamento podem causar efeitos severos. Portanto, se justifica a preocupação dos pais ante à demora destes atendimentos no município. Principalmente, porque diagnosticar e compreender um atraso de linguagem nem sempre é tarefa fácil.
Enquanto isso, a Secretaria da Saúde alega que a demanda reprimida por atendimentos nestas áreas, esbarra em alguns requisitos. Entre eles, a capacidade instalada do Município para as quatro especialidades estar esgotada.
Por meio de nota, a pasta informa que firmou contratos com os hospitais Virvi Ramos e Círculo, a fim de ampliar a oferta das consultas. Inclusive, a prática parece que já se tornou corriqueira. No entanto, a nota acrescenta que como a contratação de terceiros ainda depende de recursos extras e de instituições interessadas e/ou com disponibilidade em oferecer o serviço, os atendimentos continuam demorando. Ainda assim, a Secretaria afirma que estes atendimentos especializados são tidos como prioridade pelo Município.
Contudo, em 2020, o vereador Alberto Meneguzzi (PSB) protocolou no Legislativo, um projeto de lei sugerindo que o atendimento de estudantes da rede pública municipal de educação, diagnosticados com problemas de saúde mental, e que tivessem encaminhamentos para consultas, exames e outros procedimentos nas áreas de neurologia, psiquiatria, psicologia e fonoaudiologia, pelo Sistema Único de Saúde fossem priorizados no atendimento. Porém, o projeto não entrou na pauta de votação daquele ano e foi arquivado, tendo em vista o final daquela legislatura. Isso, apesar de estar embasado em uma lei federal, sancionada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, em dezembro de 2019.
Segundo Meneguzzi, o projeto de lei de autoria dele ainda considerava que o atendimento clínico destes casos era de responsabilidade da rede especializada de saúde. Portanto, caberia ao Centro Especializado em Saúde (CES) e/ou a prestadores de serviço conveniados em Caxias.
O parlamentar ainda esclarece que, conforme o dispositivo federal, em um prazo máximo de um ano, o Município deveria ter adotado as providências necessárias para o cumprimento das disposições. Na opinião dele, o período de pandemia exigiu esforços no sentido contrário. No entanto, o fato é que muitas pessoas ainda aguardam por atendimento especializado, inclusive, crianças.
Meneguzzi ainda ressalta que uma medida eficaz para solucionar o problema seria a contratação de profissionais para atuarem em escolas do Município, e reforçar as equipes médicas nas UBSs. Entretanto, a falta de recursos financeiros tem impossibilitado essas ações.
Conforme o vereador, o Município investe, atualmente, cerca de 27% do orçamento na saúde, quando a lei determina uma média de 15%. Ou seja, que existiria uma sobrecarga de trabalho. Fato que acaba deixando o poder público de mãos atadas. Pelo menos, é o que alega o Executivo. Ainda na opinião do parlamentar, não adianta ter dinheiro em caixa. É preciso saber otimizar as verbas e, principalmente, priorizar serviços essenciais, como é caso de saúde e educação. Portanto, ele considera um absurdo uma criança de seis anos ficar 15 meses esperando por um atendimento especializado de qualquer natureza.
Enquanto em Caxias do Sul, a lei federal não sai do papel e vai parar dentro da casa de quem precisa, a morosidade nas consultas segue emperrando o aprendizado e, por conseguinte, o desenvolvimento integral de crianças. Uma realidade que exige paciência de pais e de professores.
Por meio de nota, a Secretaria de Saúde informa que, em agosto deste ano, foi aberto um edital para contratação temporária de médicos especialistas, em diversas áreas. No entanto, não houve interessados em concorrer às vagas oferecidas.
Também por meio da assessoria, a Secretaria Municipal da Educação (Smed) salientou que conta com Atendimento Educacional Especializado (AEE). Inclusive, dispõe de um núcleo específico de fonoaudiologia, com trabalhos voltados para o público infantil, conforme preconiza a legislação.