O saldo impressiona, mais de mil crianças foram registradas apenas com o nome da mãe, em Caxias do Sul, entre 2020 e 2025, conforme dados dos Cartórios de Registro Civil. Somente em 2024 foram 291 casos e, até maio de 2025, já são mais de 100 registros com ausência de paternidade na certidão de nascimento. O número tem se mantido elevado: foram 213 registros sem pai em 2020, 179 em 2021, 224 em 2022 e 265 em 2023.
Esse cenário, segundo especialistas e responsáveis pelos cartórios, reflete desafios sociais profundos, que vão desde conflitos familiares até a vulnerabilidade econômica e emocional das mães. O titular do Serviço de Registro Civil da 2ª Zona de Caxias do Sul, David Denner de Lima Braga, destaca que o registro de paternidade é um direito da criança e deve ser estimulado, com processos facilitados e sem necessidade de judicialização em casos consensuais. Braga ainda explica que o atendimento foi ampliado para facilitar o acesso, segundo ele, o registro de nascimento é simples: com a declaração fornecida pelo hospital e a presença do pai, é possível fazer o reconhecimento diretamente no cartório.
Braga esclarece ainda que quando o pai não comparece, a mãe pode fazer a indicação do suposto pai, e o cartório encaminha o caso ao Ministério Público ou à Defensoria Pública, que pode instaurar processo para reconhecimento judicial da paternidade. Em outros casos, a mãe opta por não indicar o pai. Nesses casos, a Defensoria Pública entra em contato para informar os direitos envolvidos, como pensão alimentícia e inclusão do nome do pai na certidão.
Além da ausência paterna, a diversidade familiar também se reflete nos registros civis. A chamada dupla maternidade, em que duas mulheres registram juntas a maternidade de uma criança, vem crescendo: foram 90 registros em 2024 no RS e 20 em Caxias do Sul até maio de 2025. Conforme Braga, a prática é possível em casos de inseminação artificial ou quando há vínculo socioafetivo, com concordância da criança (se tiver mais de 12 anos) e dos envolvidos. Ele também destaca que há situações de paternidade ou maternidade socioafetiva, nas quais uma pessoa que cria a criança pode ser reconhecida legalmente como pai ou mãe, mesmo sem vínculo biológico.
Em casos mais raros, crianças podem ter dois pais e uma mãe na certidão de nascimento, desde que haja concordância de todos os envolvidos. Situação que demonstra uma mudança na concepção de família, pois, atualmente, o vínculo pode ser afetivo e não apenas biológico, pondera o entrevistado. Tanto é, que isso tem sido reconhecido pelo Conselho Nacional de Justiça, que possibilita registros diretos em cartório, sem custos judiciais.
Em nível estadual, o Rio Grande do Sul registrou números semelhantes ao de Caxias, com mais de seis mil nascimentos sem nome do pai, por ano, entre 2020 e 2024. No ano passado, foram 6.642 casos, e em 2025, até maio, já são mais de 2,4 mil. A situação é acompanhada pela Arpen-Brasil, por meio da plataforma “Pais Ausentes”, no Portal da Transparência do Registro Civil, que reúne dados de todos os 7.654 cartórios do país. No ranking nacional, São Paulo lidera com mais de 146 mil registros sem pai nos últimos cinco anos.
Diante desses dados, autoridades e especialistas reforçam a importância do reconhecimento de paternidade não apenas como ato legal, mas como um direito fundamental da criança e um elemento crucial para seu desenvolvimento afetivo e social. As mães que se encontram em situação de dúvida ou dificuldade são incentivadas a buscar os cartórios, onde terão apoio e orientação para tomar decisões conscientes, que considerem não apenas sua realidade, mas o bem-estar da criança.
Confira aqui a entrevista completa.