Promotora Cristiane Corrales, do MPRS, destaca impacto da saúde mental, do uso excessivo de telas e da omissão familiar no agravamento do problema
Um levantamento recente do governo federal revelou um dado alarmante: os casos de violência nas escolas brasileiras triplicaram na última década. O aumento tem preocupado autoridades da área da educação, da infância e da juventude, que alertam para o reflexo direto de questões sociais e comportamentais que extrapolam os muros das instituições de ensino.
Em entrevista ao Jornal da Caxias, a promotora de Justiça Cristiane Corrales, coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Educação, Infância e Juventude do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), afirmou que o fenômeno está diretamente ligado ao crescimento de problemas de saúde mental entre crianças e adolescentes, ao uso excessivo de redes sociais e ao acesso precoce a conteúdos inadequados e violentos.
— Esse aumento reflete o que estamos vivenciando no dia a dia da sociedade. As crianças e adolescentes têm acesso a conteúdos, muitas vezes, violentos, por meio de plataformas digitais, jogos eletrônicos, e isso ocorre, muitas vezes, sem que os pais sequer saibam o que seus filhos estão consumindo — destacou Corrales.
Segundo a promotora, a pandemia de Covid-19 agravou esse cenário ao intensificar a presença digital de crianças e jovens, em uma fase crucial do desenvolvimento cognitivo e emocional. Esse contato excessivo com o mundo virtual, alerta ela, pode estar diretamente ligado a episódios de violência física, psicológica e, principalmente, ao bullying, que se tornou cada vez mais frequente nas escolas.
— O bullying hoje é considerado crime para maiores de idade e ato infracional para adolescentes. Não se trata de brincadeira. A escola tem um papel fundamental, mas não pode atuar sozinha. A família e a sociedade também precisam estar comprometidas com a prevenção — enfatizou.
A atuação do Ministério Público
O MPRS tem desenvolvido uma série de ações para enfrentar a violência escolar. Entre elas, destaca-se o incentivo à implementação da Lei nº 13.935/2019, que prevê a presença de psicólogos e assistentes sociais nas redes de ensino, o programa MP1, voltado à educação digital de crianças e adolescentes, além do projeto Sinais, que identifica comportamentos que podem indicar envolvimento com violência extrema.
— A escola precisa ter protocolos claros para lidar com situações de violência. Mas é essencial que haja uma rede de apoio com a presença da família e de profissionais capacitados — afirmou Corrales.
A promotora também alertou para o crescimento preocupante de casos de autolesão entre adolescentes no Rio Grande do Sul, especialmente na faixa etária dos 12 aos 18 anos. Segundo ela, esse comportamento, muitas vezes invisível aos olhos da família, é um forte indício de sofrimento psicológico e precisa de atenção imediata.
Violência escolar: um problema de todas as redes e classes sociais
Corrales destacou que a violência nas escolas não se restringe a instituições públicas ou privadas, nem a uma classe social específica. O que diferencia muitas vezes é a capacidade de resposta da escola e o envolvimento das famílias.
— Não é possível dizer que ocorre mais em uma rede ou outra. O que muda é o preparo da instituição para lidar com essas situações e o quanto as famílias estão engajadas em acompanhar a vida escolar dos filhos — explicou.
Canais de denúncia e sinais de alerta
Entre os principais canais para denúncia de casos de violência escolar estão o Disque 100, o Conselho Tutelar, a Polícia Civil, a Brigada Militar (190) e as próprias promotorias de Justiça. Corrales destacou também sinais que pais e responsáveis devem observar: o isolamento repentino, a recusa em ir à escola, o uso de roupas inadequadas para esconder marcas e mudanças bruscas de comportamento.
— É preciso retomar o diálogo dentro de casa. Ver o que os filhos estão assistindo, com quem estão interagindo nas redes sociais e o que se fala nos grupos de WhatsApp. A responsabilidade é de todos: família, escola, sociedade e poder público — concluiu.
Em meio à comemoração dos 35 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a promotora reforçou que a garantia dos direitos das crianças e adolescentes deve ser compromisso coletivo.
— Crianças e adolescentes são o nosso presente e o nosso futuro. Não podemos nos omitir diante da violência. Precisamos agir com firmeza, empatia e responsabilidade — finalizou.
Denúncias podem ser feitas anonimamente pelo Disque 100. Em casos de emergência, ligue 190.
Outros canais: Conselho Tutelar local, Polícia Civil e Ministério Público.
Saiba mais sobre os projetos do MPRS em: www.mprs.rs.gov.br
Confira aqui a entrevista completa.