A fala é de Carlos Eduardo Mesquita Pedone, arquiteto, urbanista, doutor em Direito e Conselheiro Federal do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR). Para o profissional, a questão vai muito além dessa perspectiva e a regularização fundiária deve ser encarada como um componente de uma política pública mais ampla, que inclui não apenas a titulação da terra, mas também a melhoria das condições de vida e o acesso a direitos essenciais como saúde, educação e infraestrutura.
Pedone, que lidera um projeto de regularização em Guaporé, desde 2023, explica que as ações no município envolvem dois núcleos, o Vila Verde e o Santo André, com cerca de 560 famílias. A regularização desses núcleos não se resume à entrega de documentos de posse, mas passa por um processo de mapeamento detalhado que envolve a análise das condições habitacionais, sociais e de infraestrutura dessas áreas. Segundo ele, a Universidade de Caxias do Sul desempenha um papel fundamental ao aplicar uma metodologia que vai além do simples reconhecimento da propriedade, abrangendo também a revisão de planos locais de habitação e do plano diretor da cidade.
“O objetivo é identificar o universo de vida dessas pessoas, suas condições de saúde, de acesso a serviços públicos, e até mesmo problemas sociais como violência doméstica e saúde mental”, destaca o conselheiro. Pedone enfatiza que as famílias atendidas não são apenas candidatas à titulação de um imóvel, mas necessitam de um conjunto de políticas públicas voltadas ao seu bem-estar e desenvolvimento.
Além disso, o processo de regularização envolve uma análise da infraestrutura local, incluindo abastecimento de água, saneamento básico, acesso à energia elétrica e outras necessidades urbanísticas essenciais para a integração dessas áreas à cidade formal. O georreferenciamento das propriedades é uma etapa crucial para garantir a precisão dos dados e permitir que o cartório de registros de imóveis possa formalizar a titulação com segurança.
A complexidade desse processo é intensificada pelas particularidades sociais dessas áreas. Muitas vezes, as famílias possuem estruturas de convivência polinucleares, como filhos e pais que dividem o mesmo terreno, ou mesmo múltiplas famílias morando na mesma casa. Isso exige um cuidado extra na identificação de quem realmente tem direito à titulação, evitando distorções e garantindo a legalidade do processo.
Outro ponto importante, segundo o conselheiro, é a necessidade de a cidade ser planejada de maneira inclusiva, com a oferta de terrenos e moradias acessíveis para todas as faixas de renda. A falta de planejamento urbano adequado leva muitas famílias a buscar terrenos irregulares, muitas vezes em áreas ambientalmente sensíveis, o que só agrava a situação social e urbana.
“Se a cidade for planejada corretamente, com políticas habitacionais eficazes e acesso a terrenos adequados, evitamos a proliferação de áreas irregulares”, explica Pedone. A falta de planejamento adequado, por outro lado, gera um ciclo de irregularidade fundiária, que exige esforços constantes para resolver os problemas já existentes.
O trabalho de regularização fundiária, portanto, não é apenas uma questão jurídica, mas uma ação estratégica que envolve diversos aspectos da vida urbana. “A regularização fundiária é um fator-chave para a resiliência urbana, pois ela permite integrar áreas irregulares ao tecido urbano formal, garantindo a segurança e a qualidade de vida para as famílias”, conclui Pedone.
Metodologia
Em Guaporé, o trabalho segue com a regularização de mais núcleos, e Pedone acredita que, com a metodologia adequada e a colaboração entre todos os setores da sociedade, é possível transformar a realidade dessas famílias, garantindo a elas não apenas a posse da terra, mas a dignidade e os direitos que acompanham uma verdadeira cidadania.